Por que jovens negros tem mais chance a depressão
Você sabia que o Brasil ocupa o topo do ranking no número de casos de depressão na América Latina? Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), cerca de 12 milhões de pessoas são afetadas pela doença no país! Inclusive, na faixa etária de 10 a 29 anos, o número dos casos de transtornos mentais também é preocupante, especialmente entre jovens negros, que chegam a ter 45% mais chances de desenvolver depressão que um jovem branco. Por isso, precisamos urgentemente olhar para a saúde mental dos jovens negros! Um ponto de partida para entender esse cenário é falar sobre raça, esse tema nos ajuda a entender como pretos e brancos são percebidos no Brasil, e consequentemente, as diferenças nas maneiras em que são tratados. Existe no Brasil um imaginário racial que, infelizmente, inferioriza pessoas negras, criado desde o período da escravidão, com a desumanização do povo africano os transformando em escravo, acompanhado de uma ideologia de dominação racial que valoriza a cultura de sociedades brancas e desvaloriza a herança das culturas de origem africana. Entretanto, além da escravização, temos as políticas de miscigenação e branqueamento, mortalidade infantil, encarceramento em massa, subemprego, desemprego e miséria, que são algumas das expressões do racismo atual na nossa sociedade. Infelizmente, o racismo está presente desde a infância até a vida adulta da população negra, e podemos ver o impacto devastador disso, através de sentimentos de inferioridade, baixa autoestima, sentimentos de vergonha, culpa, medo, angústia, ansiedade, insegurança, inadequação, autocobrança excessiva, rigidez… Para inverter este quadro precisamos combinar uma série de fatores, como por exemplo, políticas públicas de combate e a valorização dos movimentos sociais. É possível e preciso sentir prazer e orgulho de ser quem se é, cultivando amor interior e atuando coletivamente para podermos curar as sequelas do racismo.
O que podemos aprender no nosso dia a dia com a força mental dos atletas nas Olimpíadas
Naomi Osaka, 23 anos, uma das maiores tenistas do mundo, fez uma corajosa declaração sobre suas crises de depressão, desencadeadas após a conquista do maior prêmio da categoria, o Grand Slam, em 2018, e deixou um campeonato importante para cuidar de si. Em 2021, no auge das Olimpíadas de Tóquio, Simone Biles, 24 anos, a maior ginasta da atualidade, decidiu não competir na final, para priorizar sua saúde mental. A pressão por performance e resultados voltou a ser debatida nos grandes veículos de comunicação, assim como sinais de estresse e a prejudicial necessidade de precisar provar seu valor constantemente. Daiane dos Santos, ex-ginasta brasileira e atual comentarista das Olimpíadas, disse que a reação de Simone indica que seu motricional não estava ligado com o mental, o que, trocando em miúdos, é confirmado pela atleta na seguinte fala em uma entrevista. “Sempre que você entra em uma situação de alto estresse, você meio que enlouquece. Tenho que me concentrar na minha saúde mental e não colocar em risco minha saúde e bem-estar. É uma bosta quando você está lutando com sua própria cabeça. Você quer fazer isso por si mesmo, mas ainda fica muito preocupada com o que todo mundo vai dizer.” Em seu perfil no Instagram, a atleta mostrou como treinar muito a fazia ter espécies de apagões, e que nos treinos ela poderia ‘desmaiar’ nos colhões, mas em uma competição, não teria esse apoio, o que aumentava o risco de lesões. Já Rebeca Andrade, 22 anos, mulher negra e brasileira, continuou a competir. O seguinte diálogo, entre um repórter e ela, recém ganhadora da medalha de prata, expõe como uma base psicológica mostrou seu valor e foi decisiva para ela nesse ambiente e após a saída de uma adversária importante. Repórter: Foi tão atribulada a chegada a essa final, eu digo, pro mundo da ginástica, por causa da Simone. O que passou na sua cabeça momentos antes, durante a competição? É difícil se desligar disso também? A gente sabe da importância que ela tem para o mundo da ginástica, era um nome a ser batido, cria uma pressão extra para quem estava competindo sem ela? Rebeca Andrade: Eu acho que o fato dela ter saído não foi nada negativo. As pessoas tem que entender que o atleta não é um robô, ele é um humano. Então, a decisão que ela tomou foi a coisa mais sábia que ela pode fazer por ela, não foi nem pelos outros, porque não se brinca com a cabeça, sabe? Eu trabalho muito com a minha psicóloga por causa disso. Hoje, eu sou uma atleta diferente justamente pela cabeça que eu tenho. Porque eu acho que se eu tivesse em 2016, como eu era muito nova, muito crua, isso não teria acontecido. […] O que eu sempre falei nas entrevistas também, quando me perguntavam, o que eu sempre admirei nela era o psicológico dela, porque todo mundo sabe que ela é a melhor do mundo, que ela tem todo o talento, ela é incrível mesmo, sabe? Então eu sempre admirei muito isso, porque a pressão em cima dela era muito constante e era muito difícil, então ela acabava se cobrando muito também. […] Eu fiquei orgulhosa dela por ter tomado essa atitude e ter pensado nela antes de qualquer outra coisa. O que podemos aprender com elas? O recorte de um pedaço da vida dessas três mulheres, nos mostram que quanto mais elas entregam, mais é pedido. Por isso, equilibrar os pratos é uma atividade para o qual a preparação acontece ao vivo, sob o olhar de milhares de pessoas e, no caso das Olimpíadas de Tóquio, sob o olhar do mundo inteiro. Eu consigo imaginar a pressão, e você? Nem todo mundo consegue, e está tudo em tirar um tempo para si, dar um passo para trás. Mais do que chegar lá, é preciso muita coragem para se colocar em primeiro lugar e abrir mão de coisas pelas quais se lutou muito, quando aquilo diminui ou elimina seu bem-estar. Está tudo bem não querer se expor a jornalistas que vão fazer perguntas desconfortáveis ou não querer estar próxima dos fãs o tempo inteiro. Por aqui, como fã dos esportes desde pequena, continuo admirando essas mulheres dentro e fora do esporte! Torço para que elas fiquem bem e voltem a achar prazer em suas atividades. Desejo que essas decisões difíceis sirvam como plataforma para mudar paradigmas sobre saúde mental. Apesar da longa discussão, muitos ainda encaram isso como mimimi, mas, como vi por aí nas ruas da internet, “mimimi é a dor que não dói na gente”.
Biles, Osaka e Liz…
Foto de capa: Liz Cambage, Simone Biles e Naomi Osaka debatem a importância da saúde mental no esporte. Fotos: Getty| Arte: Karoline Souza/CLAUDIA O esporte está na minha vida desde que eu nasci. Quando tinha 3 anos de idade, sentava no colo do meu pai e assistia futebol com ele. Minha mãe tentou me colocar em balé, jazz e ginástica olímpica na infância. Lembro da Copa do Mundo de 94, eu chorando de emoção com o tetra do Brasil. Na mesma época, me apaixonei por Michael Jordan e vi todos os títulos do Chicago Bulls da década de 90. Logo em seguida, surgiu o Guga e seus títulos de Roland Garros no tênis e as irmãs Williams, fortes e dominantes. Mais para frente, vibrei com Daiane dos Santos e seus saltos incríveis no tablado da ginástica. Enfim, a cada tempo, surgiu alguém para eu admirar. Detalhe, sempre algo em comum: todas e todos atletas! Mais velha, tentei jogar handebol e vôlei e descobri que tinha talento para apoiar o time e minhas colegas, mas não habilidades para ser uma atleta.Mudei várias vezes de equipe, tive crush em diversos jogadores e troquei de esporte favorito, mas o que nunca mudou foi como meu coração batia forte todas as vezes que assistia um atleta pela televisão. Acordei na madrugada da ginástica artística para ver a Simone Biles. Não sei se você que me lê é apaixonado por esportes, mas quando vejo grandes atletas, sobretudo mulheres, me sinto próxima, como se fôssemos colegas. Então, eu precisava acordar para apoiar a Simone. Ela é um fenômeno da ginástica. O que sempre me impressionou em Simone e, em todos esses atletas que citei, foi o amor e respeito pelo esporte. Todos eles me inspiraram durante a vida a não desistir. Existe esse grande aprendizado em relação ao esporte para mim: o fracasso, as perdas, as lesões, as vitórias, as alegrias. As emoções são caminhos de aprendizados e possibilidades. Hoje, quando Simone desistiu de competir, mesmo sem parecer estar lesionada, senti um misto de angústia e dúvida sobre esses aprendizados, inclusive pensei: ‘ela é a Simone Biles. Atletas não desistem’. Isso durou alguns segundos! Em seguida, lembrei da tenista japonesa-haitiana Naomi Osaka e da jogadora de basquete australiana Liz Cambage. O que elas têm em comum com Simone? Todas desistiram. Diante da pressão desse momento delicado que vivemos de pandemia, elas abriram mão de competir em prol de sua saúde mental. Eu sou psicóloga, então sei bem como esse acúmulo de pressão que vivemos na vida pode nos prejudicar. Ainda mais para atletas que não puderam se preparar adequadamente nesse período de pandemia, que antecedeu as Olimpíadas. Além disso, eles são expostas a uma pressão por resultados e uma boa relação com imprensa e fãs. Nada disso é simples ou fácil. Cada uma dessas atletas tem seus motivos para colocar sua saúde mental em primeiro lugar e, mais uma vez, o esporte me ensina a lidar com os enfrentamentos da vida. Elas não desistiram. Elas foram muito corajosas em reconhecer que se sentir vulnerável faz parte do nosso processo como ser humano, não há nada de vergonhoso ou ruim nisso. A psicologia leva tão a sério a saúde emocional como forma de aumentar e potencializar a performance de um atleta, que temos uma especialidade somente para o tema: a psicologia do esporte. A lógica é, quanto melhor e mais preparado você se sentir, melhor vai performar. Se o atleta sente ansiedade ou medo de falhar, vamos trabalhar com ele técnicas de respiração, vamos acompanhá-lo nos momentos de competição e traçar um plano para que ele mantenha o rendimento e supere suas dificuldades. A ginasta brasileira Rebeca Andrade teve três cirurgias no joelho. Lesões são um dos maiores medos dos atletas, mas ela mesmo já contou que sua psicóloga contribuiu bastante na sua recuperação. Nessa competição, notei que ela usa técnicas de respiração para manter foco. Canalizando essas frustrações da lesão para o bem, ela teve um resultado incrível: a segunda maior nota no individual geral, ou seja, se classificou como a segunda ginasta mais completa do mundo. Para mim, não há nada mais importante que estar bem física e emocionalmente. Como diz Viktor Frankl, psiquiatra fundador da logoterapia: “quem tem um por que, aguenta quase todo como”. Que nossa maior motivação seja sempre nós mesmos! Obrigada Simone, Naomi, Liz e tantos atletas que seguem nos inspirando diariamente dentro e fora do esporte.
Trabalho e saúde mental: cuidado com as armadilhas!

No texto “O que é Saúde Mental e por que ela é o termo da moda dentro da psicologia?”, que postei nos últimos dias, mostrei muito brevemente a relação da saúde mental com a qualidade de vida, bem-estar e, claro, com o mercado de trabalho. Conforme os chamados transtornos psicológicos têm atingido mais pessoas, sendo os mais conhecidos depressão e ansiedade, mais soluções têm sido criadas na tentativa de contenção. A experiência que possuímos em nosso ambiente de trabalho afeta diretamente a nossa saúde mental, isso é um fato, e com a pandemia, vimos muitas empresas passarem a oferecer terapia, meditação, ioga, rodas de conversa e mais para os colaboradores. A intenção é boa, reconheço, mas há uma linha tênue entre ajudar e sobrecarregar o funcionário, individualizando uma questão que é mais complexa do que parece. Afastamento por transtornos mentais e outros dados Com a chegada do covid-19, muitas pessoas conseguiram migrar para o home office. Infelizmente, outras tantas não conseguiram e precisaram continuar circulando e se expondo diariamente a um vírus mortal. Tanto para quem fica, quanto para quem sai, lidar com um cenário de incerteza, de medo e com a vida social comprometida é uma carga que pode afetar a forma como lidamos com estresse, mudanças, desafios, como desenvolvemos relações sociais e, por fim, trabalhamos de forma produtiva. 2020 foi o ano em que a concessão de auxílio doença e aposentadoria por invalidez devido a transtornos mentais bateu recorde! Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, houve uma alta de 26% em relação a 2019, com 576,6 mil afastamentos. Entre eles, há maior incidência de afastamento por depressão e ansiedade. Assim como eu, você provavelmente escutou inúmeras reclamações de trabalhadores aflitos por não sentirem que existia uma separação entre vida pessoal e profissional. A hiperconexão tornou suas jornadas ainda mais exaustivas, mesmo em meio a questões relacionadas ao luto coletivo da atual crise sanitária. E para quem precisou continuar saindo de casa, a ideia de estar cada vez mais próximo da morte afetou toda a forma de ver a vida, além de muitos relatarem o medo constante de levar a doença para dentro de casa. A linha tênue da qual eu falei De acordo com um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o brasileiro trabalha em média 8 horas por dia, o que representa 39,5 horas por semana. Para compararmos, a média global é de 36,8 horas por semana. Claro que isso mudou na pandemia para quem trabalha de casa por conta das questões que falamos no parágrafo anterior. Muitas empresas, na tentativa de manter a produtividade ou aumentar os lucros, passaram a oferecer atividades gratuitas ou a baixo custo que visam desenvolver soft skills e saúde mental. No entanto, muitas vezes a cobrança para se comparecer nesses espaços ou cumprir um número mínimo de horas de capacitação, que não raro acontecem fora do horário de trabalho, pode ser fonte de ansiedade para muitos. Por isso, fica o alerta: às vezes, ver um filme, fazer meditação e atividades para otimizar o tempo ou conversar sobre suas aflições pessoas, só vai fazer sentido para o colaborador se for feito em seu tempo e/ou com pessoas com quem ele tem outros tipos de relação, que não a profissional. Empregadores precisam ficar atentos a isso para não sobrecarregar funcionários que estão passando por algum tipo de questão envolvendo o tema. A intenção pode ser das melhores, mas em hipótese alguma diga que a pessoa não se esforçou para sair da depressão ou da ansiedade porque não se esforçou para participar das atividades que expandiram o horário de trabalho. Quando se torna uma obrigação, pode ter o efeito contrário do que você pensou inicialmente. Para finalizar, tem uma frase que eu não lembro onde ouvi ou vi, mas ficou gravada por aqui (quem souber, por gentileza, coloque nos comentários): a economia é recuperável, vidas não. Por isso, ao invés de tentar preencher a agenda com cada vez mais atividade, que tal verificar se as férias dos funcionários estão em dia? Que tal revisar horas de trabalho e se as equipes conseguem dar conta das demandas? É um trabalho necessário, que não deve ser feito de forma rasa. Um espaço respeitoso, inclusivo e que não invade a vida pessoal do funcionário pode dar mais resultado que inúmeras atividades “não obrigatórias”.
O que é Saúde Mental e por que ela é o termo da moda dentro da psicologia?

Você deve ter observado o aumento do tema saúde mental na sua rede. Assim como o autocuidado, que falamos por aqui na semana passada (clique aqui para ler o texto completo), o assunto está entre os mais procurados, principalmente desde que a pandemia começou. O cenário de incerteza disparou gatilhos e dados do Google apontaram alta de 98% nas buscas sobre transtornos mentais em 2020, comparado à média de 10 anos anteriores, com destaque para as frases “como lidar com depressão” e “como lidar com a ansiedade”. É possível que você tenha notado ainda como nos meses de janeiro e setembro a saúde mental está sempre em alta, sendo abordada com frequência em programas de canais abertos da televisão, por artistas globais nas redes sociais e por governos em campanhas locais. O Janeiro Branco é o mês da saúde mental, enquanto que o Setembro Amarelo busca concientizar pessoas em relação ao suicídio. Esses meses são muito significativos, pois promovem campanhas de conscientização e quebram tabus que rondam pessoas que lidam com essas questões. Dificuldades no acesso à prioridade global de saúde Abordar esse tema não é adiável. Por conta de sua relevância, é considerada uma prioridade global de saúde, visto que a promoção de uma mente saudável acarreta na qualidade de vida e, consequentemente, no desenvolvimento econômico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), o percentual de pessoas com transtornos mentais em países de alta renda que não recebem tratamento adequado está entre 35% e 50%. Nos países de baixa e média renda, esse número fica entre 76% e 85%. Atualmente no mercado há inúmeras startups e aplicativos que exploram a saúde mental digital, com a proposta de diminuir os custos de terapias e aumentar o acesso. Você acredita que atualmente dá para fazer terapia via texto com terapeutas de carne e osso? Existem também aplicativos que usam inteligência artificial para terapia cognitivo-comportamental, onde pacientes conversam com um bot sobre suas aflições. Mas, afinal, o que é saúde mental? Ser mentalmente saudável, de acordo com a OMS, é ser capaz de desenvolver habilidades pessoais, lidar com estresse, mudanças e desafios, desenvolver relações sociais e trabalhar de forma produtiva, tudo isso com o bem-estar por perto. Dentro da psicologia o assunto está em alta por conta do aumento da demanda. Para citar um exemplo, a procura por atendimento psicológico durante o ano passado na rede municipal de São Paulo aumentou 116%. O Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que atendia 24 mil pessoas em setembro de 2019, atendia, segundo a pesquisa, 52 mil pessoas em outubro de 2020. Na rede privada não foi diferente, como mostra essa matéria do G1. Como vimos, a resposta do mercado também aponta que a busca por soluções de problemas que são comuns a muitas pessoas é urgente. Mais e mais pessoas estão falando sobre isso, da mesma forma que as incertezas dos tempos de pandemia tem desencadeado transtornos mentais que já eram preocupantes. Acredito que para além do tratamento quando um paciente já chega com a questão, nós, enquanto profissionais da psicologia, devemos trabalhar na prevenção. Os governos, as escolas, as comunidades, e outros espaços, precisam falar mais sobre isso, visando promover bem-estar, seja no ambiente físico ou virtual. Para finalizar, indico a todos uma série de cartilhas sobre saúde mental que a Fiocruz preparou. Lá são abordadas formas de lidar com o tema no trabalho, pessoalmente, com as crianças. Os materiais falam ainda sobre luto, cuidados paliativos, suicídio, violência doméstica, migrações humanas e cuidados povos indígenas.
Autocuidado: cuide primeiro de você para depois olhar para o resto

O tema autocuidado tem crescido bastante nos últimos anos. Com certeza você notou a mudança nas novelas, nos influencers e nos papos de bar com as amigas. Se entrar no Instagram e colocar #autocuidado na busca, por exemplo, vai notar que existem diversos tipos, entre eles, autocuidado emocional, consciente, feminino, natural, materno, feminista, na quarentena, amoroso, físico, masculino, facial, íntimo, enfim! Muitos! O que vai errado com o autocuidado? Naturalmente, a indústria viu uma oportunidade de ganhar dinheiro em cima da temática também, por isso, não raro vemos propagandas (mais conhecidas como #publis) nas redes sociais apontando a solução para se sentir bem na compra impulsiva de produtos exóticos e, muitas vezes, inacessíveis. A promessa é que eles vão te colocar em uma lista seleta de pessoas, farão um milagre no seu corpo, vão mudar a sua vida e serão totalmente indispensáveis na sua casa. Uma pesquisa de 2018 feita pela empresa de análise preditiva IRI mostrou que esse mercado movimenta US$ 450 bilhões só nos Estados Unidos. Um outro estudo mais recente e nacional, do IBOPE, encomendada pela Bayer, mostrou que 84% dos entrevistados buscam ter uma rotina de autocuidado, mas apenas um terço deles consegue fazer isso de forma regular. Paralelo a isso, estamos cada vez mais viciados em telas, que, de forma geral, ainda distribuem uma imagem ilusória do que é saúde, bem-estar e equilíbrio. Os click baits, ou seja, títulos chamativos feitos com o objetivo de persuadir, nos encaminham para corpos irreais, práticas que só poderiam ser mantidas a longo prazo se não tivéssemos mais nada para fazer, entre outros. Para quem se nega a entrar nessa roda, sintomas de FOMO (Fear of Missing Out, ou, em tradução livre, medo de ficar de fora) podem surgir. Tudo isso casa com uma cultura de correria, de trabalhar até não poder mais, de buscar soluções rápidas para questões sérias ou simplesmente naturais, como ter espinhas. Questões culturais que perpetuam a desigualdade de gênero Mais pesquisas mostram que mulheres cuidam muito mais de outras pessoas. O machismo dentro dessa sociedade que ainda é majoritariamente patriarcal, nos coloca nesse lugar. É comum ouvir “se eu não faço, ninguém faz” ou “não tenho tempo para nada”. Mesmo fora do ambiente doméstico, em nossos trabalhos e empreendimentos somos maioria no setor de serviços e ainda poucas em cargos de alta liderança. (Você pode ler um pouco mais sobre isso aqui). Por meio do levantamento “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, a Oxfam denunciou que mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas por dia ao trabalho de cuidado não remunerado, ou seja, atividades como cuidar de outras pessoas, cozinhar, limpar, buscar água e lenha. Por conta dessas questões, muitas mulheres se culpam por se autocuidar, ou são taxadas de egoístas por quererem tirar um tempo para si. Mas, precisamos todos entender que o autocuidado é cuidar do outro também. Na minha opinião o motivo do autocuidado deve ser individual, mas pensando de forma mais ampla, todos se beneficiam. Dicas finais para começar o autocuidado hoje Não quero aqui ser simplista nas dicas. Como vimos, apenas um terço das pessoas consegue desenvolver a prática. Por isso, sugiro começar com pequenos hábitos. Pequenos mesmo, como por exemplo, antes de cortar as unhas, fazer uma imersão breve de cinco minutos em uma água com camomila. Ou então tentar dormir uma hora mais cedo, ou então, tomar três respirações profundas toda vez que perceber que está com algum tipo de ansiedade. Saber desligar da tecnologia é essencial para nossos estados de ânimo, assim como o contato com a natureza e a observação de nossa saúde mental. Por fim, autocuidado é diferente de aparência física. É um ritual de autopreservação em um caminho longo e nem sempre fácil. É um carinho para você, um espaço vitalício de cura e conexão. Vale dizer que muitas soluções para promover bem-estar e a saúde podem ser encontradas na natureza ou com valores acessíveis em mercados, casas de ervas, vizinhas ou pessoas mais velhas da sua própria família. Autocuidado não deve ser limitado a skin care, dietas restritivas, procedimentos estéticos, gurus ou exercícios excessivos. Práticas de cultivo desses dois pontos bases para o autocuidado podem ser feitas no dia a dia, sem necessariamente envolver relações comerciais.
