O que vou falar aqui pode chocar você em um primeiro momento, mas, infelizmente, é a mais pura verdade: nós odiamos as mulheres. Eu digo nós porque a toda a nossa sociedade foi construída em cima disso e reproduzimos práticas machistas, misóginas e sexistas o tempo todo. Além disso, não podemos individualizar um problema nos apoiando em exceções, precisamos assumi-lo como a questão social que ele é.

No dia 25 de novembro é celebrado o dia internacional de luta contra a violência à mulher, data que marca, também o início dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra as mulheres pelo mundo. Aqui no Brasil, essa programação tem início no dia 20 de novembro, dia nacional da consciência negra, em função das mulheres negras representarem a maioria dos casos registrados de violência, e se estende por 21 dias. De acordo com um levantamento feito pelo G1, 73% dos casos de feminicídios aconteceram contra mulheres pardas e pretas. Como mulher e ativista, resolvi trazer minha contribuição de um ponto de vista mais estrutural da questão.

Afinal, por que odiamos as mulheres? Por que as subjulgamos, as inferiorizamos e as matamos tanto? Vou começar trazendo a explicação de alguns conceitos importantes e, em seguida, uma abordagem histórica da construção do machismo, misoginia e sexismo que vivenciamos atualmente. Ao final, trarei exemplos reais das consequências de tudo isso, que mostram o quão urgente é que façamos algo para mudar essa realidade.

Primeiro, vamos entender alguns conceitos

Vamos começar essa jornada alinhando a compreensão de alguns termos que usarei bastante no decorrer do texto e que todas as pessoas que desejam contribuir de alguma forma com o fim da violência contra as mulheres precisam entender.

Machismo

O machismo deriva da palavra “macho” e está relacionado à superioridade das características consideradas masculinas às consideradas femininas. O pensamento machista segue a lógica de que homens são melhores que mulheres, mais capazes, mais fortes (não apenas no sentido físico) entre outras questões.

Ele afeta não apenas as mulheres, como também os homens que apresentam características ditas femininas, o que inclui os homens homossexuais, as mulheres transgênero, as travestis e o público LGBTQI+ em geral.

Misoginia

A palavra misoginia vem do grego, na junção de miseó = ódio e gyné = mulher, ou seja, ódio ou aversão à mulher. Enquanto o machismo coloca o foco na exaltação do homem, a misoginia tem o foco no menosprezo ao feminino. Dessa forma, ela se manifesta na violência física, psicológica e moral às mulheres pelo simples fato de serem mulheres. São as piadas, as injúrias, difamações e agressões diversas.

Sexismo

Já o sexismo é querer colocar as pessoas em caixinhas definidas por sexo. Homens fazem isso, mulheres fazem aquilo e um não pode invadir a caixinha do outro. Futebol é coisa de homem, ballet é coisa de mulher. São imposições de limitações baseadas única e exclusivamente no sexo de nascimento da pessoa, como se fosse necessário ser de determinado sexo para fazer, ser ou usar determinada coisa.

Agora, vamos olhar para a construção histórica

Nós não escolhemos ser machistas, misóginos e sexistas, a sociedade é assim desde muito antes de nascermos, nós apenas reproduzimos a forma como fomos ensinados a ser. O homem escolheu ser superior à mulher há milhares de anos, lá nos primórdios da civilização, quando surgiu a ideia de posse.

Na era das cavernas, os homens, por terem mais força física, protegiam as mulheres e crianças dos animais invasores, mas não havia uma diminuição da figura da mulher perante ao homem. Nas primeiras organizações em grupo, quando já existia a agricultura e a domesticação de animais, toda a produção era compartilhada pela comunidade e, as diferenças nas atribuições das tarefas, não tinham uma hierarquização.

Foi depois do surgimento da ideia de posse dos excedentes da produção que os homens começaram a considerar seus bens, suas mulheres e seus filhos como parte de sua propriedade. Desde então, as mulheres são inferiorizadas e limitadas em suas funções na sociedade. Vivemos em uma geração que já quebrou várias barreiras, mas a estrutura ainda é machista, misógina e sexista.

Por fim, vejamos as consequências

Exemplos de violências exercidas sobre as mulheres é o que não faltam. Veja apenas alguns dos casos mais recentes que ilustram bem esse cenário.

Violência doméstica e sexual

No Brasil, uma mulher é morta a cada 9 horas e os casos de feminicídio aumentaram 22% durante a pandemia de COVID-19, quando elas ficaram presas em casa com seus agressores. Uma menina de 10 anos é engravidada pelo tio estuprador e a discussão é acerca da legalidade do aborto e não sobre a saúde física e mental da menina. Morremos, apanhamos, somos estupradas e não podemos decidir sobre nossos próprios corpos.

Limitação de espaços e de direitos

Uma forma de mudar esse cenário seria contando com mais mulheres na política, participando das decisões das cidades, mas todas as que tentam seguir por esse caminho sofrem ainda mais violência. Marielle Franco foi assassinada, Dilma foi destituída do cargo, Manuela D’Ávila teve a campanha à vice-presidência e à prefeitura de Porto Alegre fortemente atacada. 

Para piorar, aprendemos a não confiar nas mulheres para tais funções. Não votamos nelas, não as enxergamos como agentes de mudança que precisamos para combater os problemas que enfrentamos.

Nos locais onde nós mulheres estamos, precisamos nos “comportar”. A jogadora de tênis, Serena Williams, foi penalizada por discutir com o juiz de cadeira, da mesma forma que vários outros atletas homens fazem e não são punidos. No vôlei, Carli Lloyd foi duramente criticada nas redes sociais por ter engravidado no início de uma temporada. Até podemos estar em alguns lugares, desde que estejamos dentro de “limites aceitáveis”.

Adoecimento dos homens

O machismo, a misoginia e o sexismo são tão ruins que afetam também aos homens. E aqui eu nem estou me referindo apenas à comunidade LGBTQI+. Homens não podem demonstrar fraquezas, precisam ser provedores, devem ser agressivos, não podem ser carinhosos ou demonstrar afeto. 

Existe, inclusive, um grupo de homens chamados de incel’s, uma contração de duas palavras em inglês que significa celibatários involuntários. Por não conseguirem uma parceira, esses homens se sentem menosprezados por todas as mulheres e passam a nutrir um ódio profundo tanto delas quanto dos demais homens. Para se ter uma noção da gravidade disso, o atentado realizado em Toronto onde 10 pessoas morreram atropeladas foi realizado por um membro desse grupo, motivado pela misoginia. 

A grande maioria das pessoas não odeia as mulheres de forma intencional, fomos todos impelidos a isso. A sociedade foi construída dessa forma há milhares de anos e esse é um problema que não se resolve da noite para o dia. Mas o primeiro passo é a consciência sobre a questão, é compreender como ela foi estruturada e, a partir disso, começar a tomar atitudes para gerar uma mudança de cenário.

3 respostas

  1. Cara Mari!
    Concordo com 99% do que você disse. Esse 1% diz respeito a mulher na política, e antes que eu seja crucificado vou explicar: É claro que apoio mulher na política, apenas penso que alguns dos exemplos que você citou, são de mulheres polêmicas, casos específicos de Dilma e Manuela, que polemizam e defendem não a condição feminina, mas sim uma postura politico ideológica da sociedade. Mas não escrevi esse comentário para discutir este tipo de política, e sim a condição da mulher, e, nessa altura vai nossa concordância nos 99%. Sei que somos formados, em muito, pelo meio e aí entram a família, na figura dos pais, o Estado, o sistema legal, a cultura, a propaganda e tudo o mais que compõe o meio. É difícil quebrar esta corrente, romper esta estrutura mudar o status quo. Acredito que esta mudança começa na educação, pois apenas e tão-somente ela é que subsidiará um mundo mais justo e igualitário. Entretanto, estamos diante de um círculo vicioso, pois quem educa, em sua grande maioria, têm os mesmos entendimentos, cultura e valores que estamos a condenar. Como romper isso? Provavelmente serei achincalhado pelo que vou dizer, mas entendam a raiz do meu pensamento; Devemos promover a mudança a partir de casa, do núcleo da sociedade, ou seja, da família. E quem, na família passa a maior parte do tempo educando os filhos? A mãe, certo? Não que seja dela, a mãe, a responsabilidade pelo que acontece na sociedade, mas ela é a primeira influência da criança. Será que, se essa educação tiver uma pegada diferente, não teremos crianças com outros olhares, outros valores, outra consciência? Não que, com este ponto de vista, colocar o peso da responsabilidade unicamente sobre os ombros das mulheres, pois é obvio e ululante que o pai tem que participar do processo. Estou apenas apontando o início, afinal temos que começar por algum lugar e, porque não, por quem sente o problema na pele e no corpo? Reconheço que somos uma sociedade machista, e que alterar esta estrutura demanda tempo, e sobretudo vontade, mas precisamos, temos a obrigação de deixar um mundo melhor do que encontramos, para nossos descendentes.

    1. Primo querido!
      Vi sua resposta somente agora, acredita? Erro grave! Eu entendo o que você colocou nos seu 1% de discordância, e eu não dei exemplo no meu texto de mulheres de outras ideologias políticas, mas também acontece com mulheres de direita, e por isso, caracterizei como ódio as mulheres.
      Obrigada por ler o texto e responder!

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