Não é difícil ouvir que certos grupos estão segregando, dividindo forças ou lutando contra o preconceito sendo preconceituosos. O chamado feminismo interseccional, uma corrente que leva em conta não só o gênero, como também a classe e, principalmente, a raça de uma mulher, está cansado desse tipo de abordagem.

“Mas por que isso? Não podemos juntar esforços?” alguém pode perguntar. Podemos e devemos! No entanto, se muitas mulheres não se sentem acolhidas por outros tipos de feminismos, a pergunta deve ser “estamos realmente incluindo demandas de todas em nosso movimento?”.

Vamos a alguns dados

A população negra (preta ou parda) corresponde a 56,2% da população brasileira, segundo dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). Com quase 60 milhões de pessoas, as mulheres negras formam o maior grupo populacional do país. No entanto, elas são as mais afetadas por crises, o que denuncia uma condição social e econômica ainda muito abaixo do que deveria ser, do que seria justo, vamos dizer assim, para uma efetiva igualdade.

A falta de políticas públicas direcionadas só potencializa essa condição. Apesar da mulher negra ter entrado no mercado de trabalho antes da mulher branca, a PNAD mostrou também que, em 2020, o desemprego entre mulheres não negras foi de 13,5%, enquanto que, entre mulheres negras, o número chegou a 19,8%. A taxa de desemprego é quase o dobro, se compararmos com a taxa verificada entre homens brancos. E falando em salário, mulheres negras ganham em média R$ 1.476 por mês, enquanto que mulheres brancas ganham em média R$ 2.529 no mesmo período. Não vou nem trazer aqui a média do salário de um homem branco, mas você pode imaginar.

A violência contra a mulher negra é secular e persiste. Um levantamento do G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal mostrou que no primeiro semestre de 2020, 75% das mulheres assassinadas eram negras. A mulher negra era, nessa altura, 3 entre 4 mulheres assassinadas neste país.

Com isso em mente, volto ao questionamento inicial para quem reclama do feminismo interseccional, acusando-o de separar o movimento e colocar nossas demandas acima das outras: há realmente uma inclusão equalizada de demandas?

Pioneirismo forçado

A mulher negra é pioneira. Não quero que você, leitora ou leitor, ache que isso seja super legal. Ter entrado no mercado de trabalho muito antes das mulheres brancas, ter reivindicado direitos não só para elas, mas para seus filhos e conhecidos, foram ações frutos da extrema necessidade.

Até os dias de hoje vemos que muito mais mulheres negras empreendem por necessidade. Sem emprego, elas ficam sem escolha e precisam empreender às pressas, sem muito planejamento, o que afeta mais ainda sua condição econômica.

Na emergência, nós nos erguemos e arranjamos uma forma de sobreviver, e não deveria existir uma romantização em volta desse fato. Ao longo dos séculos tivemos que nos reinventar muitas vezes, e seguir caminhando mesmo com os atravessamentos violentos não só contra nossos corpos negros, mas contra os corpos de nossos pais, irmãos, primos, tios e companheiros.

Para mim, o feminismo interseccional é mais uma dessas formas de buscar soluções para os problemas de muitas. Há muitas outras que no final têm o mesmo objetivo: diminuir essas desigualdades. Focadas em nossas demandas entre nós e com aliadas e aliados que entendem e querem somar, iremos mais longe. Lembrando de Angela Davis, quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.

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