Na quinta assisti o coringa. Confesso que não queria muito apesar do estardalhaço acerca do filme porque desde os 17 anos eu vejo tantos caras como ele ao meu redor: vítima de abuso, negligência, em situação de vulnerabilidade, vivência com uma cuidadora adoecida e que provavelmente foi vítima de abuso e ficamos nesse loping que a intersecção de raça, gênero e classe causam na sociedade… Bem, soma-se tudo isso e temos um cara bem ferrado: tanto física, quanto econômica, social, psíquica, profissionalmente e por aí vai… Inegável que o Joaquin Phoenix teve uma interpretação sensacional, mas será que os amantes desse filme e dessa interpretação pensam sobre os coringas da vida real. Na prática é bem mais difícil ser solidário ao menino ferrado, que sai da comunidade armado porque não se contenta em não ter um tênis de marca, um relógio caro, um iPhone ou uma oportunidade de estudar, de ganhar mais que um salário mínimo como a de tantos outros. É mais difícil quando se está em surto e sequestra um ônibus armado. Nossa comoção é seletiva e isso se deve à estrutura social que vivemos. Fiquei pensando se esse ator fosse negro, se o impacto em nosso imaginário seria esse. Parece exagero, mas é cruel e velha lembrança de que os marcadores sociais nos colocam em lugares certeiros para o descaso. O racismo, sem dúvidas, é um crime perfeito. Até na ficção fica visível. Bom, então não há opção quando se nasce em uma situação de extrema vulnerabilidade?! Para além dos aspectos sociais, vale a pena pensar na subjetividade e na escolha que permeia nossas vidas. Arthur deu vazão a sua raiva quando se sentiu enganado, traído e humilhado; e por isso, matou pessoas. Diversas pessoas. Um anti herói sofrendo todo tipo de dor que parece justificada a sua crueldade. Será que se ele tivesse tido atenção, afeto, e verdade em sua vida, ainda assim, ele teria ido às ultimas consequências?! Nunca saberemos, mas pelo menos ele teria ao seu alcance um leque maior de possibilidades. Na vida real, muitos escolhem outras possibilidades.