Trabalho e saúde mental: cuidado com as armadilhas!

No texto “O que é Saúde Mental e por que ela é o termo da moda dentro da psicologia?”, que postei nos últimos dias, mostrei muito brevemente a relação da saúde mental com a qualidade de vida, bem-estar e, claro, com o mercado de trabalho. Conforme os chamados transtornos psicológicos têm atingido mais pessoas, sendo os mais conhecidos depressão e ansiedade, mais soluções têm sido criadas na tentativa de contenção. A experiência que possuímos em nosso ambiente de trabalho afeta diretamente a nossa saúde mental, isso é um fato, e com a pandemia, vimos muitas empresas passarem a oferecer terapia, meditação, ioga, rodas de conversa e mais para os colaboradores. A intenção é boa, reconheço, mas há uma linha tênue entre ajudar e sobrecarregar o funcionário, individualizando uma questão que é mais complexa do que parece. Afastamento por transtornos mentais e outros dados Com a chegada do covid-19, muitas pessoas conseguiram migrar para o home office. Infelizmente, outras tantas não conseguiram e precisaram continuar circulando e se expondo diariamente a um vírus mortal. Tanto para quem fica, quanto para quem sai, lidar com um cenário de incerteza, de medo e com a vida social comprometida é uma carga que pode afetar a forma como lidamos com estresse, mudanças, desafios, como desenvolvemos relações sociais e, por fim, trabalhamos de forma produtiva. 2020 foi o ano em que a concessão de auxílio doença e aposentadoria por invalidez devido a transtornos mentais bateu recorde! Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, houve uma alta de 26% em relação a 2019, com 576,6 mil afastamentos. Entre eles, há maior incidência de afastamento por depressão e ansiedade. Assim como eu, você provavelmente escutou inúmeras reclamações de trabalhadores aflitos por não sentirem que existia uma separação entre vida pessoal e profissional. A hiperconexão tornou suas jornadas ainda mais exaustivas, mesmo em meio a questões relacionadas ao luto coletivo da atual crise sanitária. E para quem precisou continuar saindo de casa, a ideia de estar cada vez mais próximo da morte afetou toda a forma de ver a vida, além de muitos relatarem o medo constante de levar a doença para dentro de casa. A linha tênue da qual eu falei De acordo com um levantamento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o brasileiro trabalha em média 8 horas por dia, o que representa 39,5 horas por semana. Para compararmos, a média global é de 36,8 horas por semana. Claro que isso mudou na pandemia para quem trabalha de casa por conta das questões que falamos no parágrafo anterior. Muitas empresas, na tentativa de manter a produtividade ou aumentar os lucros, passaram a oferecer atividades gratuitas ou a baixo custo que visam desenvolver soft skills e saúde mental. No entanto, muitas vezes a cobrança para se comparecer nesses espaços ou cumprir um número mínimo de horas de capacitação, que não raro acontecem fora do horário de trabalho, pode ser fonte de ansiedade para muitos. Por isso, fica o alerta: às vezes, ver um filme, fazer meditação e atividades para otimizar o tempo ou conversar sobre suas aflições pessoas, só vai fazer sentido para o colaborador se for feito em seu tempo e/ou com pessoas com quem ele tem outros tipos de relação, que não a profissional. Empregadores precisam ficar atentos a isso para não sobrecarregar funcionários que estão passando por algum tipo de questão envolvendo o tema. A intenção pode ser das melhores, mas em hipótese alguma diga que a pessoa não se esforçou para sair da depressão ou da ansiedade porque não se esforçou para participar das atividades que expandiram o horário de trabalho. Quando se torna uma obrigação, pode ter o efeito contrário do que você pensou inicialmente. Para finalizar, tem uma frase que eu não lembro onde ouvi ou vi, mas ficou gravada por aqui (quem souber, por gentileza, coloque nos comentários): a economia é recuperável, vidas não. Por isso, ao invés de tentar preencher a agenda com cada vez mais atividade, que tal verificar se as férias dos funcionários estão em dia? Que tal revisar horas de trabalho e se as equipes conseguem dar conta das demandas? É um trabalho necessário, que não deve ser feito de forma rasa. Um espaço respeitoso, inclusivo e que não invade a vida pessoal do funcionário pode dar mais resultado que inúmeras atividades “não obrigatórias”.

O que é Saúde Mental e por que ela é o termo da moda dentro da psicologia?

Você deve ter observado o aumento do tema saúde mental na sua rede. Assim como o autocuidado, que falamos por aqui na semana passada (clique aqui para ler o texto completo), o assunto está entre os mais procurados, principalmente desde que a pandemia começou. O cenário de incerteza disparou gatilhos e dados do Google apontaram alta de 98% nas buscas sobre transtornos mentais em 2020, comparado à média de 10 anos anteriores, com destaque para as frases “como lidar com depressão” e “como lidar com a ansiedade”. É possível que você tenha notado ainda como nos meses de janeiro e setembro a saúde mental está sempre em alta, sendo abordada com frequência em programas de canais abertos da televisão, por artistas globais nas redes sociais e por governos em campanhas locais. O Janeiro Branco é o mês da saúde mental, enquanto que o Setembro Amarelo busca concientizar pessoas em relação ao suicídio. Esses meses são muito significativos, pois promovem campanhas de conscientização e quebram tabus que rondam pessoas que lidam com essas questões. Dificuldades no acesso à prioridade global de saúde Abordar esse tema não é adiável. Por conta de sua relevância, é considerada uma prioridade global de saúde, visto que a promoção de uma mente saudável acarreta na qualidade de vida e, consequentemente, no desenvolvimento econômico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), o percentual de pessoas com transtornos mentais em países de alta renda que não recebem tratamento adequado está entre 35% e 50%. Nos países de baixa e média renda, esse número fica entre 76% e 85%. Atualmente no mercado há inúmeras startups e aplicativos que exploram a saúde mental digital, com a proposta de diminuir os custos de terapias e aumentar o acesso. Você acredita que atualmente dá para fazer terapia via texto com terapeutas de carne e osso? Existem também aplicativos que usam inteligência artificial para terapia cognitivo-comportamental, onde pacientes conversam com um bot sobre suas aflições. Mas, afinal, o que é saúde mental? Ser mentalmente saudável, de acordo com a OMS, é ser capaz de desenvolver habilidades pessoais, lidar com estresse, mudanças e desafios, desenvolver relações sociais e trabalhar de forma produtiva, tudo isso com o bem-estar por perto. Dentro da psicologia o assunto está em alta por conta do aumento da demanda. Para citar um exemplo, a procura por atendimento psicológico durante o ano passado na rede municipal de São Paulo aumentou 116%. O Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que atendia 24 mil pessoas em setembro de 2019, atendia, segundo a pesquisa, 52  mil pessoas em outubro de 2020. Na rede privada não foi diferente, como mostra essa matéria do G1. Como vimos, a resposta do mercado também aponta que a busca por soluções de problemas que são comuns a muitas pessoas é urgente. Mais e mais pessoas estão falando sobre isso, da mesma forma que as incertezas dos tempos de pandemia tem desencadeado transtornos mentais que já eram preocupantes. Acredito que para além do tratamento quando um paciente já chega com a questão, nós, enquanto profissionais da psicologia, devemos trabalhar na prevenção. Os governos, as escolas, as comunidades, e outros espaços, precisam falar mais sobre isso, visando promover bem-estar, seja no ambiente físico ou virtual. Para finalizar, indico a todos uma série de cartilhas sobre saúde mental que a Fiocruz preparou. Lá são abordadas formas de lidar com o tema no trabalho, pessoalmente, com as crianças. Os materiais falam ainda sobre luto, cuidados paliativos, suicídio, violência doméstica, migrações humanas e cuidados povos indígenas.